Seta do
tempo é confirmada no reino quântico
Com
informações da Agência Fapesp - 04/12/2015
Experimento pioneiro afirma ter detectado a seta do tempo em
experimentos quânticos. [Imagem: APS/Alan Stonebraker]
O tempo e
a física quântica
Uma equipe internacional,
liderada por físicos brasileiros, afirma ter demonstrado pela primeira vez a
irreversibilidade da seta do tempo em um sistema quântico microscópico.
As propriedades da seta do tempo - o
tempo nunca anda para trás - e do aumento da entropia - a crescente
desorganização de um sistema físico - já foram testadas e confirmadas pelos
físicos em diversos ambientes e situações, mas sempre em circunstâncias
macroscópicas.
Já no mundo microscópico, a
emergência da irreversibilidade do tempo intriga os físicos porque as leis da
mecânica quântica não têm um sentido preferencial, ou seja, não distinguem ir
do passado para o futuro ou retornar do futuro para o passado - por exemplo, no mundo quântico, o futuro afeta o
passado.
Ainda que os físicos não tenham
nenhuma teoria sobre o que seja fundamentalmente o tempo,
essa aparente incompatibilidade entre uma direção preferencial do tempo e a
leis microscópicas da Física tem gerado muitos debates ao longo de décadas e
promete gerar muitos mais a partir deste novo experimento.
Esquema do experimento, que foi realizado nos laboratórios do Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro. [Imagem: T. B.
Batalhão et al. - 10.1103/PhysRevLett.115.190601]
Seta
quântica do tempo
A equipe da Universidade Federal
do ABC (UFABC) estudou o comportamento do spin (propriedade similar aos pólos
magnéticos de um ímã) do núcleo de um único átomo, um isótopo carbono 13 em uma
molécula de clorofórmio.
Depois de resfriados a alguns
bilionésimos de grau acima do zero absoluto, os núcleos dos átomos de carbono
foram submetidos a um pulso de radiofrequência, cuja intensidade é modulada no
tempo a uma frequência de 125 MHz - pouco acima das ondas de rádio FM. "A
temperatura do nosso sistema é conhecida como temperatura de spin, e o sistema
permanece nesse estado por algumas frações de segundo durante o
experimento," explica o professor Roberto Menezes Serra.
Quando os spins dos núcleos
interagem com as ondas de rádio - cuja intensidade aumenta no tempo - eles
mudam de estado, aumentando sua energia interna. Esse aumento acontece
rapidamente, fazendo com que parte da energia absorvida pelos spins se
apresente de forma desorganizada, como se os spins "tremessem".
Quando o pulso de radiofrequência
é desligado, parte da energia absorvida pelos núcleos de carbono (aquela na
forma desorganizada) precisa ser dissipada no meio ambiente na forma de calor.
Quando isso acontece, o sistema volta ao estado original, chamado de equilíbrio
térmico.
Para revelar a seta do tempo, a
estratégia do experimento foi ligar e desligar as ondas de radiofrequência num
ritmo alucinante, na ordem dos milésimos de segundo. "Fizemos esse
processo tão rápido que não dava tempo para o sistema trocar energia (calor)
com o meio ambiente," explica Roberto.
Foi nessas condições que os
pesquisadores detectaram a produção de entropia em um sistema quântico, ou
seja, observaram a origem do aumento da entropia no nível microscópico.
Apesar destes resultados, outros experimentos já demonstraram que a Segunda Lei da Termodinâmica falha em
sistemas quânticos. [Imagem: Iñaki Gonzalez/Jan Gieseler]
Flutuações
quânticas
A seguir, o mesmo processo foi
realizado modulando as ondas de rádio de forma reversa, diminuindo a energia
das ondas de forma muito rápida e, consequentemente, diminuindo a energia do
sistema de spins.
Comparando o que acontecia com os
núcleos de carbono durante o processo de aumento e de diminuição da energia das
ondas de rádio, foi possível detectar uma diferença sutil, mas mensurável,
entre os dois processos.
Ora, se as leis que governam os
sistemas quânticos isolados fossem simétricas no tempo, esse processo também
deveria ser simétrico - mas não foi isso que o experimento mostrou.
De fato, foi detectada uma leve
assimetria durante o processo de aumento e diminuição da energia no núcleo de
carbono. "São as flutuações quânticas," explica o professor Roberto.
No mundo microscópico do átomo e
das partículas atômicas acontecem coisas bizarras. O vácuo, por exemplo, é tudo
menos vazio. Nele podem pipocar a partir do nada partículas
subatômicas. Elas surgem e desaparecem sem prévio aviso e como que
por encanto. São estas as chamadas flutuações quânticas.
No caso do experimento, o que se
detectou foi um fenômeno no qual as flutuações quânticas estão associadas com
as chamadas transições entre estados quânticos do spin nuclear.
Outros experimentos têm questionado a sequência tradicional de
causa e efeito quando se passa para o ambiente da mecânica quântica.
[Imagem: University of Vienna]
Tecnologia
quântica
Em resumo, a equipe constatou a
emergência da seta do tempo no ambiente quântico ao detectar uma assimetria
entre um processo e seu reverso. Essa assimetria tem origem nas transições
entre os estados quânticos. É dessa forma que a entropia do sistema aumenta.
Mas para quê serve tudo isto?
"Todo esse esforço é para compreender os fenômenos termodinâmicos em
escala microscópica e quântica. Do ponto de vista prático queremos entender os
limites da nova tecnologia quântica em microescala," responde o
pesquisador.
Esta é uma das fronteiras da
ciência atual. Espera-se que dessas pesquisas fundamentais evoluam tecnologias
como a dos computadores quânticos, com
potencial muitas vezes superior à computação tradicional. Outro dividendo será
a criptografia quântica com
códigos invioláveis, cuja segurança pode ser garantida pelas leis da mecânica
quântica.
Bibliografia:
Irreversibility and the Arrow of Time in a Quenched Quantum System
T. B. Batalhão, A. M. Souza, R. S. Sarthour, I. S. Oliveira, M. Paternostro, E. Lutz, R. M. Serra
Physical Review Letters
Vol.: 115, 190601
DOI: 10.1103/PhysRevLett.115.190601
Irreversibility and the Arrow of Time in a Quenched Quantum System
T. B. Batalhão, A. M. Souza, R. S. Sarthour, I. S. Oliveira, M. Paternostro, E. Lutz, R. M. Serra
Physical Review Letters
Vol.: 115, 190601
DOI: 10.1103/PhysRevLett.115.190601
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